quinta-feira, 14 de abril de 2011

Acontece por aí!!

Dezoito horas. Desligo o computador e agarro o celular. "Daqui a alguns minutos ele liga", eu penso. Trim... Trim... O celular toca. "Tá. Tô saindo. Quando chegar no penúltimo sinal, me liga, certo?". Recebo algumas orientações pra me cuidar durante o final de semana e saio, sem olhar pra trás, naquele corredor enorme, que percorro todo fim de tarde, às 18h. Enquanto faço meu trajeto diário, Luíz sorri, no alto dos seus 8 anos, quando vê seu pai entrar em casa, carregando um chaveiro com uma chave grande e preta. Carlos havia comprado uma moto, que estava em promoção, na concessionária próximo de sua casa. Era o sonho de Luíz. Ele grita, abraça o pai, chama a mãe para ver o mais sublime de seus sonhos. Aquela CG vermelha, com um adesivo preto escrito "Deus sempre está conosco", fazia os olhinhos do menino brilhar. Luíz vem de uma família humilde e batalhadora. Carlos trabalha de padeiro, numa padaria no centro da cidade. Graça lava roupas e faz faxina para ajudar nas despesas da casa. Luíz faz a terceira série e sonha em ser jogador de futebol, como a maioria dos moleques da sua idade. Cabelo preto e corpo pequeno, ele adora subir nos galhos do pé de castanhola, que fica no quintal de sua casa. Luíz gosta de estudar. O garoto é inteligente e espera ajudar a mãe quando crescer. Eu acabo o corredor e me despeço de mais um amigo que trabalha no setor de protocolos. Desejo uma boa noite e ele me sorri. Ouço os comentários diários dos seguranças e, por fim, entrego a chave do meu setor. "Hoje é sexta-feira", eu lembro. E vem aquele sorriso de vontade de aproveitar preguiça. Mesmo sendo tão tarde, Luíz insiste com o pai, que acabou de chegar do trabalho, para levá-lo no seu super megazóide vermelho a um passeio nas ruas da capital. Depois de muita insistência e algumas muitas birras do menino, Carlos decide levá-lo. O pai não mede esforços para agradar o filho, que lhe beija e abraça a todo instante. Carlos nem toma banho, muito menos se alimenta, apenas pede que Graça troque de roupa e os acompanhe na aventura. Carlos tirou sua habilitação há apenas um mês e não pratica desde então. Eu chego ao ponto de ônibus rotineiro. Tiro o ipod da bolsa e tento sufocar os ouvidos para não pensar. Canto alto, sem me importar com os olhares incomodados, afinal, eu tô no meio da rua e lá, o mundo é meu... Eu canto, grito, faço caretas. Olho pro relógio algumas várias vezes, porque não gosto de ficar ali, esperando. Na verdade, não gosto de esperar! Agarro o celular com mais força, acho que isso vai fazer ele ligar mais rápido. Alguns minutos passam pelo visor do celular e algumas vozes gritam ao meu ouvido... Dentre elas, a de Grabriel, que me faz refletir e me enfurecer ainda mais com a merda da desigualdade social. "Tá muito sinistro! Alô, prefeito, governador, presidente, ministro, traficante, Jesus Cristo, sei lá... Alguma autoridade tem que se manifestar"! E nada de ele ligar. Graça se apronta e, com um orgulho a mais no peito, grita por Luíz, que foi contar pro vizinho sobre a moto nova que havia acabado de chegar em casa. Quando ele volta, Graça o coloca devagar no banco, agarrado ao corpo de Carlos. Os três saem juntos, cantando. Eles fazem um giro pelo centro da cidade, prestigiando as luzes e a água que jorra no meio da lagoa. "É tudo tão lindo, não é, pai? Quando a gente olha aqui de dentro do peito.", diz Luíz, com os olhos vidrados nas luzes da lagoa. O pai encerra os pensamentos do menino com um abraço e um convite para continuar o passeio. "Que susto!". Por causa do trânsito horrível, meu celular só tocou novamente às 18:35. "Beleza, tô esperando.", eu digo e desligo. Alguns minutos depois, a moto para do meu lado. A mulher de cabelos escuros e vestido verde, parecido com o que usam as freiras, desce da moto com certa dificuldade. Em seguida, despede-se do marido e abraça forte Luíz. Ela o beija na testa e depois nos dois lados da face. Outro beijo no marido e um "tchau" baixinho no ouvido dele, seguido de um "cuidado, meu amor.". Agarrada ainda à mão direita de Luíz, Graça lhe dá um pequeno beijo no polegar e vai escorregando devagar a mão, que escapa da dele, como em câmera lenta. Os dois, enfim, saem em direção ao posto de gasolina. Graça enconsta-se no banco, onde eu estou sentada agora, e reza baixinho um Pai Nosso. Eu não ouço, mas entendo o que ela diz. Após a oração tão devota, ela olha os dois, presos num sinal, estende a mão e pede que DEUS os abençoe. Êpa! Sacanagem, ia perdendo o ônibus de novo... Antes de entrar no ônibus, olho para Graça e a levo comigo na lembrança.


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